24 de outubro de 2011

Giovanni Boccaccio: narrativa poética nos tempos da peste



WATERHOUSE, John William. Um conto do Decamerão, 1916.

A epidemia de peste bubônica que devastou a cidade de Florença, em 1348, forneceu o cenário para a obra prima de Giovanni Boccaccio (1313-1375), O Decamerão. Trata-se de um conjunto de cem relatos, contados ao longo de dez dias consecutivos por sete moças e três rapazes que, reunidos numa vila nas cercanias da cidade, conseguem se abstrair da crueldade com a qual a peste acumulava mortes.
“No decorrer de quatro ou cinco meses morreram mais de cem mil pessoas”, contara Boccaccio. “Viu-se aos cidadãos fugir uns dos outros, ao vizinho permanecer indiferente a respeito da sorte do seu vizinho, aos parentes tendo medo de se encontrarem, ou encontrando-se ocasionalmente e de longe. O terror chegou ao ponto de um irmão abandonar o seu irmão, o tio ao sobrinho, a mulher ao marido, e, o que é pior ainda e quase impossível de acreditar, os pais e mães com medo de visitar e cuidar dos filhos”.
O grupo de jovens partiu de Florença ao amanhecer, o lugar escolhido se achava na cima de uma colina, rodeado de uma grande variedade de arvores e agradável vegetação. Ficava a menos de uma légua da cidade. “Na cima da colina se elevava um castelo [...] as habitações eram confortáveis e estavam decoradas com pinturas alegres. A vista se estendia sobre campos cheios de flores. Os jardins, nos quais serpenteavam arroios frescos e puros, ofereciam à visão o panorama mais variado”.
Assim, as penas e tristezas foram deixadas na cidade. Durante a sua estadia no campo, os jovens escolheram rir, cantar, comer e desfrutar do prazer de viver. Os dias começavam muito cedo, quando o grupo de dez se reunia nos parques do castelo para contar uns aos outros histórias deliciosas, cheias de humor, engenho e picardia. Os temas eram os mais diversos, quase todos relacionados ao mundo profano. Falavam do amor, da traição, da avareza, da inteligência e dos balanços da fortuna.
De acordo com a mentalidade antropocêntrica da época, os personagens relatavam experiências humanas, do mundo terreno, deixando em evidência os defeitos e virtudes dos homens. Estas características rompem com a tradição medieval e fazem de O Decamerão, um precursor do período moderno. No entanto, este livro é muito mais do que um clássico da literatura ocidental, muito mais do que o testemunho de uma sociedade e de uma nova concepção de mundo. É uma obra cuja narrativa dispensa adjetivos, simplesmente, seduz. Os cem relatos de Boccaccio são breves, porém sagazes e encantadores, capazes de nos roubar um sorriso espontâneo em mais de uma ocasião.

Citações traduzidas de original em espanhol.
BOCCACCIO, Giovanni. El Decamerón. 13a. edição. Mexico: Porrúa, 2007. 

17 de outubro de 2011

O impressionismo austríaco

Os tempos que antecederam à fundação da Secessão de Viena (1897) já prenunciavam as mudanças artísticas no ambiente cultural austríaco. O pintor Rudolph von Alt foi, nos últimos anos da sua carreira, um dos grandes representantes do espírito impressionista que nascia nas terras do imperador Francisco José. Junto com ele, se destacaram nomes como Theodor von Hörmann, August von Pettenkofen, Olga Wisinger-Florian, Carl Moll, Emil Jacob Schindler e Tina Blau, entre outros.
WISINGER-FLORIAN, Olga. Paisagem com ferrovia (esquerda), 1890. HÖRMANN, Theodor von. Verão no jardim (direita), 1892.
Estes pintores foram inspirados por trabalhos de artistas da Escola de Barbizon e da Escola da Haia, desenvolvendo assim um interesse pela natureza, pelas paisagens, pela pintura in situ. Logo se posicionaram contra a tradição da arte acadêmica vienense, forjando o seu ponto de vista artístico independente e ganhando posteriormente o respeito e reconhecimento dos secessionistas.
MOLL, Carl. Em Schönbrunn (esquerda), 1910-11. BLAU, Tina. Landsberg (direita), 1885.
Gostavam de representar em suas telas a interação da luz na paisagem, tanto no decorrer do dia como nas diferentes estações do ano, experimentando com as variações de tonalidades dos objetos ao refleti-la. Buscavam a autonomia da cor e da forma e representavam a realidade sensível à visão, tornando-a uma impressão única, momentânea e impossível de ser repetida.
WISINGER-FLORIAN, Olga. Pousada em Karlsbad, 1895.

Pouco se conhece sobre os artistas impressionistas austríacos. As suas obras foram pintadas paralelamente às do impressionismo francês, mas não tiveram a mesma difusão. A ampla maioria delas se encontra hoje no Museu Leopold da cidade de Viena, e é uma experiência muito gratificante pode-las conhecer. 

11 de outubro de 2011

“Matisse, Cézanne, Picasso...a aventura dos Stein”

A exibição que esta sendo realizada no Grand Palais de Paris apresenta a notável coleção de obras de arte moderna reunida pelos Stein, uma família abastada da sociedade norteamericana, originária de Pensilvânia, que se radicara em Paris no início do século XX. Os irmãos Leo, Gertrude e Michael Stein, junto à esposa deste último, Sara, foram grandes patrocinadores de artistas como Renoir, Cézanne, Picasso, Matisse e Bonnard, entre outros.
Além da oportunidade singular de ver reunido num único espaço o conjunto desta coleção, a exposição também aproxima o visitante da vida da família Stein. Em cada uma das salas da exibição se oferece, num pequeno canto especialmente destinado para esta função, histórias referentes aos irmãos Stein e a sua vinculação com os artistas apresentados, com textos, fotos, filmes e publicações que permitem um contato mais próximo com os membros desta família e com o contexto de produção das obras expostas.
A história começa com Leo Stein e seu estabelecimento na cidade de Paris, em 1902. Foi o seu grande interesse pela arte o que motivou a “aventura” desta família de colecionadores e patrocinadores de artistas. Primeiramente interessado nas obras de Cézanne, Leo logo centrou a sua atenção nos trabalhos de Picasso, Matisse e Renoir. Assim, no início da exibição se apresentam algumas litografias de Cézanne - versões de suas banhistas - e várias pinturas destes outros artistas, entre as quais se destacam o excêntrico colorido de “Mulher com chapéu”, de Henri Matisse, e a sobriedade de “Rapaz conduzindo cavalo”, de Pablo Picasso.
MATISSE, Henri. "Mulher com chapéu" (esquerda), 1905. PICASSO, Pablo. "Rapaz conduzindo cavalo" (direita), 1906.
Duas salas da exposição são dedicadas a Gertrude Stein, a caçula da família, que em 1903 se instala em Paris junto a seu irmão Leo. Com ele, montam uma galeria privada de arte moderna, localizada na 27 Rue de Fleurus, a qual em 1906 já contava com obras de Renoir, Picasso, Cézanne, Matisse, Toulouse-Lautrec, Bonnard e Manguin. Matisse e Picasso eram freqüentadores assíduos do circulo social da família e das tradicionais noites de sábado, celebradas nesta galeria. No espaço destinado a Gertrude sobressai o “Auto-retrato” e “Nu à la Serviette”, de Pablo Picasso.  

PICASSO, Pablo. "Auto-retrato" (esquerda), 1906. "Nu à la serviette" (direita), 1907.
A maior parte das obras de Matisse é apresentada na ampla sala destinada a Michael e Sara Stein, grandes amigos do artista. Aqui, pode ser apreciada não somente a magia das tonalidades das pinturas deste artista como também alguns de seus trabalhos em escultura. Igualmente, são exibidas obras de Cézanne, Picasso e Manguin. Merecem destaque as obras “Chá no jardim”, de Henri Matisse, e “Mulher melancólica”, do período azul de Pablo Picasso.


MATISSE, Henri. "Chá no jardim" (esquerda), 1919. PICASSO, Pablo. "Mulher melancólica" (direita), 1902.
A exposição foi organizada conjuntamente pelo Rmn-Grand Palais, pelo Museu de Arte Moderna de São Francisco e pelo Metropolitan Museum de Nova York. Foi exibida na cidade de São Francisco entre maio e setembro deste ano. Já no Grand Palais de Paris vai ficar até 16 de janeiro de 2012, quando continuará viagem para Nova York, onde será apresentada entre o 1 de fevereiro e o 3 de Junho desse mesmo ano. Para quem tiver a oportunidade, é uma exibição única que, merece, e muito, ser visitada.

Mais informações: 
http://www.met.org/ (Nova York - ainda não está sendo anunciada)